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A lã: um património vivo

A lã, veículo de culturas, encontramo-la na história do homem em todas as encruzilhadas das civilizações, protegendo-o da chuva e da neve, do frio da montanha, do calor tórrido da planície e do pó dos caminhos da transumância.

Apesar dos avanços da investigação científica contemporânea, nenhuma fibra de síntese conseguiu, até hoje, imitar a resistência, a beleza e o conforto da lã natural. É por tudo isto que a cultura que envolve a lã constitui um património vivo que importa salvaguardar nas suas vertentes ambiental, antropológica e cultural.

Na Península Ibérica foram os pastores e os rebanhos de merinos que, desde tempos imemoriais, atravessaram pontes e rios, escalaram montanhas, percorreram extensas planícies à procura de pastos verdejantes, esbatendo fronteiras. Criaram a Lusitânia e aproximaram os homens nos territórios interiores e confinantes que envolvem a Raia Central portuguesa, que integra os distritos das Guarda e de Castelo-Branco e a Comarca de Tajo-Salor-Almonte, da Extremadura espanhola.

A história da região está indissociavelmente ligada a um espaço rico de diversidades e propício a uma auto-subsistência que, testada desde os seus primeiros povoadores, era garantida pelas actividades agro-pastoris, pela caça, pela pesca nos rios e ribeiros, pelo abastecimento de lenhas e pela abertura à penetração mercantil. A montanha, a Serra da Estrela, propiciando ao gado os pastos naturais, foi ponto de encontro dos grandes trajectos da transumância tanto nacional como peninsular, permitindo, a alguns aglomerados populacionais da sua área, a especialização no fabrico dos pano, através do acesso fácil não só à matéria prima que alimentou esta indústria – a lã – como à energia indispensável ao seu desenvolvimento, a partir da utilização da água e das lenhas que prodigiosamente oferecia. Contribui assim, genericamente, para demarcar uma região, como no séc. XVII, era descrita por Gonçalo da Cunha Villas Boas: ao pé desta Serra da Estrela, donde tudo são lãs e panos, em que uns trabalham e outros comerciam.

Partimos à procura das marcas construídas na paisagem e convidamo-lo a acompanhar-nos num percurso histórico que une a Serra da Estrela à riqueza natural das onduladas planícies da Extremadura espanhola, a partir de dois museus que constituem o início e o fim da Rota da Lã – TRANSLANA: o Museo Vostell-Malpartida de Malpartida de Cáceres e o Museu de Lanifícios da Covilhã. Esta rota revitaliza, no séc. XXI, o percurso dos negociantes de lã que, no séc. XIX, dela se abasteciam no Lavadero de Lanas de los Barruecos (actualmente Museo Vostell-Malpartida) para garantir o funcionamento regular de diversas fábricas da Covilhã, de que se salienta a Real Fábrica Veiga (actualmente Museu de Lanifícios).

Pinheiro, Elisa Calado, coord. - Fios da Rota da Lã. [Desdobrável/Roteiro], 2005

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